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O que é violência política de gênero e por que precisamos falar mais sobre isso.

Por Naiara Lemos
Ser chamada de feia, baranga e vadia no Twitter. Ser chamada de gostosa em pleno ambiente de trabalho. Passar meia hora apresentando uma relatoria e ouvir “não consegui prestar atenção em nada porque estava olhando para a sua boca”. Participar de uma reunião em que um deputado coloca a mão na sua coxa e, ao ser confrontado, ele responde que nem percebeu. Receber um e-mail dizendo que você vai ser amarrada e estuprada na frente do seu marido e do seu filho de 1 ano. Ler que “minha pistola calibre 38 vai dar o tiro de misericórdia na sua testa” mesmo sendo você a mulher mais votada para a Câmara Municipal. Ler ameaças contra a sua filha, mesmo ela sendo uma criança de 6 anos que nunca participou de uma disputa eleitoral.

Tudo isso é violência política de gênero. E não só isso. Violência política de gênero é tudo que falam ou deixam de falar, fazem ou deixam de fazer, para impedir que mulheres participem da política. Para constranger, intimidar, desmotivar ou culpabilizar mulheres em espaços políticos. As mulheres podem sofrer violência quando são candidatas, assim que assumem o cargo ou ao longo do mandato.

Os exemplos vão desde ofensas durante comícios, telefonemas inapropriados, microfones cortados, produção de notícias falsas até sumiço de materiais de campanha.

Dentro do próprio partido, é comum que mulheres tenham menos tempo de fala durante reuniões, menos acesso a dados importantes e menos verba de campanha.

Violência política de gênero é uma estratégia naturalizada há anos. Tão naturalizada que chega a passar despercebida, embora suas consequências sejam alarmantes:

  • Mulheres ocupam apenas 15% das vagas do Congresso, embora sejam metade da população brasileira e mais da metade do eleitorado.
  • 87,5% das candidatas à Câmara, ao Senado e à Presidência* diz ter sofrido violência política de gênero. E mesmo que 93% delas ache que esses abusos afastam as mulheres da política, 62% nunca denunciaram.
  • 80,8% das deputadas e senadoras eleitas** revelam ter sofrido algum tipo de violência política de gênero durante o mandato
  • Mais da metade delas entende que foi violentada dentro do próprio Parlamento
  • 42% delas já foi questionada sobre sua vida privada (relacionamentos, sexualidade, maternidade)
  • 34% já foram questionadas sobre sua aparência ou já foram chamadas de loucas
  • 16% relatam ter sofrido violência sexual

*Em levantamento feito pelo jornal O Globo, com 47 das 69 candidatas a cargos para Câmara, Senado e Presidência.
**Em pesquisa realizada com 73 das 90 parlamentares que têm assento no Congresso.

Violência sexual (ou assédio) é apenas um dos tipos de violência política de gênero. Ela também pode ser exercida em forma de violência psicológica (desqualificação em público, ameaças por e-mail, telefonemas anônimos), em forma de violência física (empurrões, tapas, socos, tiros), em forma de violência econômica (orçamento reduzido, desvio de verba) ou ainda, sob a forma de violência simbólica (difamação, apropriação de ideias, interrupção da fala, exclusão de relatorias, comissões, cargos de liderança ou projetos importantes, divulgação de fotos íntimas ou dados pessoais).

Os ataques podem ser virtuais (hackeamento, fake news e deepfakes) ou presenciais (nas ruas, no Parlamento, nas reuniões de partido, perto da própria casa).
A violência política de gênero é reconhecida no Brasil como crime eleitoral desde agosto de 2021. Portanto, a lei 14.192 já vale para as eleições de 2022. De acordo com ela, assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, uma candidata ou uma parlamentar eleita pode resultar em 4 anos de prisão e multa ou até 6 anos de prisão (caso a violência se dê nas redes sociais). Produzir informações falsas de teor eleitoral contra mulheres também é crime. As penas variam entre dois meses e um ano de detenção ou multa.

Segundo o jornal O Globo, desde que a lei entrou em vigor, o Ministério Público Federal abriu 31 procedimentos para apurar denúncias do tipo (o que significa pelo menos 2 por mês). Mais importante que a existência da lei, é garantir a existência de mais mulheres legislando, dando veredictos, exercendo mandatos, ocupando espaços e usufruindo do seu direito de participar da política.

Violência política de gênero é uma estratégia complexa e antiga que precisa ser entendida como uma prática inadmissível e ultrapassada. Ela existe para fazer mulheres desistirem. Desistirem não só de participar da política, mas de perceber que tudo é político, de se interessar por esse idioma que não nos ensinaram e de acreditar que somos capazes de combater a truculência com inteligência, articulação e coragem.

Sobre a autora:Naiara Lemos é mãe, negra e feminista. filho, fôlego, palavra, choro, gargalhada, luta, insight e silêncio.
Este texto foi produzido orginalmente para Lab Think Olga de Cuidado e Política e publicado no Linkedin da Think Olga.