Por Quitéria Costa
Por que precisamos de mais mulheres dentro das estruturas partidárias?
Ao falarmos sobre a participação das mulheres brasileiras nos espaços de poder, mais necessariamente na política institucional (que também podemos chamar de política formal, ou seja, mulheres como prefeitas, vereadoras, deputadas, senadoras…), percebemos, imediatamente, um grande vazio. Somos poucas. E isso, infelizmente, não é novidade. Os dados, por si só, colaboram para o imaginário das pessoas, que vêm a política como lugar dos homens – e, diga-se de passagem, homens brancos, cis gênero e heterossexuais, não é mesmo?
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, no Brasil, somos a maioria do eleitorado brasileiro (53%), mas somos a minoria ocupando cargos eletivos nas casas legislativas, no executivo e em altos cargos da administração pública. E, quando observamos a participação das mulheres nos partidos políticos, os números revelam que, por lá, também somos a minoria – apenas 47,72% dos filiados.
Essa realidade reforça, urgentemente, a necessidade de ocuparmos as estruturas partidárias, para realizarmos a disputa desses espaços nas instituições. Mais mulheres dentro dos partidos políticos significa não apenas a possibilidade de nos organizarmos no trabalho de superação dessa imensa desigualdade e fazer justiça de gênero, mas, acima de tudo, a possibilidade de garantirmos a ampliação das agendas, com proposição de temas do interesse das mulheres em toda a sua diversidade; e a construção de espaços políticos cada vez mais plurais e democráticos.
Por que precisamos de mais mulheres em cargos de poder dentro dos partidos?
Filiar-se a um partido político é o primeiro passo dessa construção, mas só isso não é suficiente. É fundamental que estejamos atuantes e ocupando espaços de poder também nas estruturas internas dos partidos. Isso é estratégico, para que nos façamos ouvir e para que a nossa presença possa modificar uma estrutura constituída, em sua maioria, por homens, reproduzindo a cultura machista e misógina da nossa sociedade e da própria política.
Mas por onde começar? Como se integrar a um partido político? Como fazer a diferença lá dentro? É sobre isso que iremos falar! Vamos compartilhar com você um passo a passo que vai ajudar em todo o processo.
Quais são os primeiros passos para entrar em um partido político?
O primeiro passo é, obviamente, escolher a sigla partidária à qual vai se filiar. O Brasil possui, atualmente, vinte e nove partidos políticos registrados na Justiça Eleitoral. Você pode acessar essa relação no site do TSE. Saber se a sigla que pretende escolher está em dia com a Justiça Eleitoral é uma informação fundamental, para que não haja perda de tempo no seu processo de escolha.
É importante verificar se você também está em dia com a Justiça Eleitoral. Veja se o seu Título de Eleitor está regularizado (se tiver alguma dúvida, vá ao site do TSE e busque a opção “Situação eleitoral”) e se você está em pleno gozo dos seus direitos políticos, ou seja, se você está em condições de votar e de ser votada. As regras que definem quem está habilitado estão no artigo 14 da Constituição Federal (CF), que, dentre outros assuntos, descreve as condições de elegibilidade. Essas condições são repetidas na Lei dos Partidos Políticos, que estabelece, em seu artigo 16: “só poderá filiar-se ao partido o eleitor que estiver no pleno gozo de seus direitos políticos.” Portanto, ainda que você não tenha a intenção de se candidatar, estar dentro dessas regras é essencial para a sua filiação.
Outra coisa a ser observada por quem pretende se candidatar é o tempo de filiação. Cada partido possui sua autonomia para definir o prazo de filiação para a candidatura de cargos eletivos. Mas, para a legislação eleitoral, a exigência é que os(as) candidatos(as) devam estar filiados ao partido pelo qual vão concorrer até seis meses antes da eleição. A maioria dos partidos acaba por adotar esse mesmo prazo. Os militares, magistrados, membros dos tribunais de contas e integrantes do Ministério Público obedecem a dispositivos legais próprios em relação aos prazos de filiação. Já os servidores da Justiça Eleitoral são proibidos de se filiar a uma legenda. Sendo assim, a sua ocupação profissional também precisa ser observada, caso se encaixe em alguma dessas categorias.
Como decidir e o que observar na hora de escolher um partido?
Após conhecer as regras básicas estabelecidas pela Justiça Eleitoral para ingressar em um partido político, o segundo passo é conhecer os próprios partidos, para que a sua escolha seja realizada da forma mais consciente possível. Fique atenta às dicas:
- Pesquise siglas partidárias com as quais perceba afinidade ideológica e que dialoguem com a sua visão de mundo, suas concepções políticas e as causas que defende. Para isso, é importante conhecer os estatutos desses partidos (documento que expressa seus respectivos programas, objetivos políticos, estrutura interna e formas de organização). Esses registros são encontrados no site do TSE e nos sites dos próprios partidos.
- Além de fazer a leitura do estatuto e de outros documentos que possa encontrar, observe a atuação dos membros desses partidos na sociedade, principalmente aqueles(as) que estão exercendo algum cargo eletivo. Veja se os posicionamentos dessas pessoas representam os seus valores, as suas pautas e se, de fato, refletem as concepções políticas e ideológicas do partido. Afinal, é com essas pessoas que você irá caminhar.
- Busque conversar com pessoas do seu município e que já estejam engajadas no partido que você está interessada. Essas pessoas poderão esclarecer possíveis dúvidas e lhe apresentar, de forma mais concreta, as pautas, os desafios, as atividades e os posicionamentos políticos do partido na sua comunidade.
- Conheça as mulheres que já estão filiadas. Combine um bate papo e pergunte sobre a atuação delas no partido, sobre os desafios encontrados, fale do seu interesse em se juntar… Com certeza, elas ficarão contentes com a possível chegada de mais uma mulher por lá!
- Realizada a escolha, é só solicitar a filiação ao/a presidente do partido no seu município. Você preencherá uma ficha de filiação e receberá o seu comprovante de filiada.
Mudando as estruturas: como se articular dentro do partido e ocupar espaços de decisão?
Uma vez dentro do partido, é muito importante se articular para que a sua presença não seja apenas simbólica. E para fazermos a diferença, de fato, é fundamental que ocupemos, também, os espaços de decisão existentes em suas estruturas internas.
Historicamente uma construção social, na qual os homens criam as regras e dão os comandos, o partido político se constitui como um terreno árido para nós, mulheres. São muitas barreiras a serem rompidas. Quando não participamos ativamente dos processos de tomada de decisões, cabe a nós, apenas, a adaptação, ao invés da transformação de um sistema machista que, na maioria das vezes, não dá conta de pautar, debater de forma mais ampla e construir políticas que realmente atendam aos interesses e necessidades das mulheres. É importante estar nos espaços de poder, mas com poder para decidir.
Mas, então, como se articular? Considerando as diferenças entre os programas de cada partido, suas ideologias, histórias e as diversas realidades dos municípios brasileiros, não conseguimos apresentar uma única receita, mas é possível compartilhar algumas estratégias que podem funcionar bem nas disputas internas:
- Convide as mulheres para pensarem juntas e, estrategicamente, decidirem quais vagas irão disputar nos conselhos, comitês, coordenações, núcleos e diretoria (cada partido tem uma estrutura própria e pode adotar nomenclaturas diferentes).
- Estejam atentas para não ocuparem apenas os espaços consagrados como “das mulheres” (exemplo: Secretaria das Mulheres). Foquem, também, em outros espaços, onde as decisões macro são tomadas. Aqui vai uma referência: em meu município, ocupo, atualmente, a presidência do partido e outra companheira faz parte da diretoria. Além disso, temos mais duas assumindo a coordenação de outros segmentos.
- Busque, nas disputas internas, alianças com homens que sejam conscientes e solidários às pautas das mulheres. Esta pode ser uma boa estratégia! É importante agir sempre de forma criativa e inteligente, tendo consciência de que você vai precisar sempre se impor para defender suas ideias.
TORNAR PARTIDOS MAIS DEMOCRÁTICOS E REPRESENTATIVOS
Como fazer mudanças no partido, para facilitar a entrada de mais mulheres?
É importante que as mudanças que promovam a chegada de mais mulheres sejam feitas, formalmente, nos documentos que regem o funcionamento do partido. Mas isso não é o suficiente. A tarefa de estimular a chegada de mais mulheres exige, antes de tudo, a mudança de uma mentalidade, colocando suas participações como prioridade também no processo da construção partidária. Por isso, é importante que elas não sejam recrutadas somente às vésperas das eleições. Além disso, é fundamental que o partido:
- Apoie as pautas de diferentes movimentos e coletivos de mulheres na luta por direitos, tornando-se mais próximo deles.
- Convide, para ingressar no partido, mulheres ativistas e que sejam lideranças engajadas em algum trabalho social em suas comunidades. No local onde moro, por exemplo, as mulheres atuantes no partido do qual faço parte são orgânicas: elas fazem parte de movimentos sindicais e de movimentos sociais de luta pela educação e pelos direitos das pessoas com deficiência.
- Estabeleça cotas na composição dos diretórios e de outras instâncias partidárias. Também é fundamental que o partido abra espaço para o protagonismo das mulheres filiadas em eventos do partido ou nos quais o partido se faça representar. Quando mulheres veem outras mulheres nesses espaços, elas acreditam que é possível estar lá também. É a tal da representatividade.
- Invista na formação dos seus membros (homens e mulheres), visando a desconstrução de posturas machistas, que afastam ainda mais as mulheres dos partidos políticos.
Como fortalecer as mulheres candidatas do partido?
- Construa espaços de formação, voltados para as demandas do processo eleitoral. Conteúdos como legislação eleitoral, cálculo eleitoral, estratégias e financiamento de campanha são essenciais.
- Estabeleça espaços de escuta individual e/ou em grupo, oferecendo apoio emocional e acolhimento das dificuldades encontradas pelas candidatas durante o percurso.
- Garanta que seja cumprido, efetivamente, o mínimo previsto na Legislação Eleitoral acerca dos percentuais destinados às mulheres, no que se refere aos recursos para financiamento de campanha e ao tempo da propaganda eleitoral nos veículos de comunicação.
Principais barreiras e como lidar: quais são as situações mais difíceis que uma mulher pode viver dentro de um partido?
Diversas dificuldades restringem a atuação das mulheres nos partidos políticos e podem se tornar grandes barreiras para a caminhada. Veja algumas, mas não desista! Vale a pena seguir em frente.
- A primeira dificuldade e que tem o poder de impedir a nossa continuidade é a solidão. Muitas vezes, ser a única pessoa em um lugar é solitário. Por isso, é importante não estar sozinha. Convide outras mulheres para ingressar no partido com você, para que o sentimento de isolamento seja quebrado e não a desmobilize.
- O sentimento de impostora também pode ser uma barreira. É comum fazermos perguntas do tipo: será que realmente sei o que estou fazendo? Será que dou conta? Estou adotando a posição mais acertada? Será que aqui é mesmo o meu lugar? Será que eles não têm razão? Tudo isso não pode paralisar você.
- Enfrentar posturas machistas, de homens que não escutam mulheres e não aprenderam a dialogar de forma respeitosa. Prepare-se, pois isso vai ser uma constante.
- Deparar-se com homens que desejam sempre ser apoiados, mas que não apoiam mulheres. E, embora digam-se democráticos, não compreendem a necessidade de mais mulheres no poder para a efetiva democracia.
- Ser presidente de um partido e ser ignorada por homens que se dirigem a outros homens para tratar de assuntos que poderiam ser tratados diretamente com você.
- Ser neutralizada ou excluída pelos homens de algum debate, que irá resultar em decisões relevantes.
- Não se sentir compreendida ao defender determinadas pautas das mulheres e precisar se esforçar para explicar algo que enxergamos como óbvio.
- Assédio moral e sexual.
- Conciliar a militância partidária com trabalho, estudos, tarefas domésticas e cuidados com as crianças. Acompanhamos mulheres na campanha eleitoral de 2020, por exemplo, com dificuldades em cumprir suas agendas, por não ter onde deixar os filhos.
- Sempre que as coisas ficarem pesadas, convide mulheres do partido ou amigas para uma “saidinha.” Quando o bicho pega, a gente marca um café, um chá ou uma cervejinha, para desabafar, trocar ideias, criar estratégias, respirar e seguir o caminho. Essa dica é muito importante. Quando estamos juntas, nos sentimos mais fortes e isso é revigorante!
É importante dizer que não iremos transpor essas barreiras sozinhas. Cada uma delas exige uma demanda e estratégia diferentes. Para nós, mulheres, o partido ainda é lugar de disputa de espaço com os homens. Somente juntas é que vamos superar tudo isso!
Sobre a autora: Quitéria Costa é pedagoga, ativista pela Educação e pelos Direitos das Crianças e Adolescentes. Hoje, atua como dirigente de partido político.