Por Tayara Causanilhas
Polarização é um tema que, neste ano, está em todos os lugares: nas redes sociais, nos jornais e, às vezes, até nas conversas da fila do mercado. Os candidatos estão isolados, cada um do seu lado do espectro político. Já as eleitoras, vêm defendendo pontos de vista imutáveis e separando as discussões no almoço de domingo. Polarização é um fenômeno deste século, com implicações negativas. Para combatê-la, é necessário compreender o que é, de onde surgiu e suas implicações no nosso dia a dia.
A polarização é o tamanho da divergência entre os candidatos, a partir do comportamento eleitoral. Precisamos compreender que a aversão à política pode ter se agravado justamente pela polarização.
O século XXI está cercado de novos fenômenos. Diversos países se destacam por um ambiente eleitoral marcado pela polarização. Este é o caso do Brasil. A polarização política é um fenômeno que parece não ter motivos para se abrandar nos próximos anos. Tem implicações diretas na participação política, já que afeta o diálogo, a tolerância e o reconhecimento dos adversários. Além disso, em países nos quais a polarização foi observada, registraram-se altos índices de abstenção eleitoral.
O que é a polarização?
A polarização é um fenômeno político, caracterizado pela distinção extrema entre dois pólos. Pode partir da sociedade, quando o próprio eleitorado se polariza entre ideias ou figuras públicas, ou pode partir das instituições, quando a polarização acontece entre o partido que ocupa o poder e os que compõem a oposição.
O conceito é definido a partir de uma dupla análise: a distância entre as preferências dos partidos mais votados e a comparação entre as proposituras dos principais candidatos de uma eleição. Além disso, são causas determinantes de polarização: classificação social, moralização da política, traços psicológicos, predisposições e consumo de mídia partidária.
De onde surgiu a polarização no Brasil?
No Brasil, a polarização extremou-se ao longo das eleições: em 2002, não era tão evidente; já em 2010, ficou mais nítida. Nas eleições presidenciais de 2014, agravou-se ainda mais: a pequena margem de votos que separava Dilma e Aécio mostrava que os eleitores estavam bem divididos. No ano de 2018, quando Haddad e Bolsonaro disputaram o cargo presidencial, a polarização foi ainda mais notável. A verdade é que as eleições brasileiras têm sido decididas com uma pequena vantagem e um crescente sentimento de repulsa dos cidadãos sobre o candidato em quem não votaram.
Ainda que o Brasil seja um país com um sistema partidário complexo e composto por muitos partidos, as disputas eleitorais concentraram-se na oposição de dois destes partidos entre os anos de 1994 e 2014: o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
E, mesmo na disputa presidencial de 2018, na qual o PSDB não chegou ao segundo turno pela primeira vez, desde 1994, foi possível acompanhar a radicalização de ideias e o reforço do antipetismo como sentimento que moveu o eleitor ao voto no outsider de direita, Jair Bolsonaro. Ainda que o eixo da polarização tenha sido deslocado para o viés ideológico, o fenômeno se manteve.
Implicações no dia a dia
A despeito da discussão da polarização ocorrer entre PT e PSDB, ou apenas em torno do PT e o sentimento de oposição a este partido, observou-se o crescente uso de fake news, violência política, propagação dos discursos de ódio e veiculação de mensagens mais diretas e agressivas entre os candidatos. Sendo a polarização um resultado de preferências partidárias, seja pelos próprios candidatos ou estritamente ideológicas, o ambiente polarizado gera, indiscutivelmente, prejuízos ao ambiente democrático. Para além do comprometimento das eleições, fenômenos ainda mais danosos podem ser observados como impacto da polarização: o desinteresse político e a crescente abstenção eleitoral.
As eleições presidenciais de 2018, como ficou notável no segundo turno, foram marcadas pela polarização político-ideológica no cenário brasileiro, tornando, portanto, os grupos polarizados ainda mais identificados com suas ideologias e, de igual maneira, ressaltando aqueles cuja identificação não está nos pólos existentes.
A parcela do eleitorado que não se identificava diretamente com os espectros políticos daquele momento se traduziu, em 2018, no crescente número de abstenções e, posteriormente, em alarmantes discursos de objeção e rejeição à política.
Atualmente, os jovens se dizem completamente desinteressados pela política porque, em sua percepção, é sinônimo de briga. As abstenções, por outro lado, têm aumentado a cada pleito, possivelmente marcadas pela rejeição de parcela do eleitorado, que não se identifica com os espectros polarizados ou, ainda, rejeita a política violenta, que é fruto da polarização.
Isto ocorre porque, em um cenário político tão polarizado, a falta de identificação com as propostas políticas em período de eleição pode traduzir-se na apartação do comparecimento eleitoral. Os grupos não-polarizados poderão se apropriar, portanto, dos caminhos do não-voto e da insistência em demandas compreendidas por poucos ou nenhum candidato. Esta é uma posição muito perigosa para a democracia. E não é mais um caminho futuro: trata-se de uma consequência atual na política brasileira.
Sobre a autora: Tayara Causanilhas é escritora e cientista política, com foco em Humanidades Digitais. Bacharel em Direito pela UFRJ e mestranda em História, Política e Bens Culturais pela FGV/RJ, há cinco anos pesquisa sobre o tema “Mulheres na política e suas implicações na democracia”. Atualmente, dedica-se ao estudo do impacto das redes sociais na democracia brasileira.
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.
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