O aborto é um tema envolto em muita desinformação. Apresentamos abaixo alguns dados e argumentos que podem apoiar candidaturas e mandatos na defesa do direito ao aborto legal e no debate público sobre a necessidade de legalização do aborto para garantia da justiça reprodutiva no país.
Em quais casos o aborto é legal?
O Sistema Único de Saúde (SUS) é obrigado a oferecer o serviço de aborto legal, ou seja, quando a gravidez é resultado de um estupro, quando a pessoa gestante corre risco de morte e quando há anencefalia fetal (o cérebro não se desenvolve). Nos casos de violência sexual, NÃO é necessário apresentar boletim de ocorrência para acessar o serviço – basta a palavra da vítima. Nos demais casos, o procedimento é realizado mediante apresentação de laudo médico que comprove o diagnóstico.
Os serviços de aborto legal no Brasil
Atualmente, segundo o Sistema do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), do Ministério da Saúde, existem 120 serviços de referência para realização de aborto legal no Brasil pelo SUS.
Ao acessar o site, você deve selecionar:
- “Serviço Especializado”: 165 – Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual
- “Classificação”: 006 – Atenção à Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei.
- É possível realizar a busca por Estado e por município.
Atualmente, os serviços estão distribuídos em território nacional da seguinte forma:
Região Norte | 13 | Região Nordeste | 36 | Região Centro Oeste | 6 | Região Sudeste | 54 | Região Sul | 11 |
Acre | 1 | Alagoas | 1 | Distrito Federal | 1 | Espírito Santo | 2 | Paraná | 2 |
Amazonas | 6 | Bahia | 13 | Goiás | 1 | Minas Gerais | 28 | Rio Grande do Sul | 5 |
Amapá | 0 | Ceará | 7 | Mato Grosso do Sul | 2 | Rio de Janeiro | 13 | Santa Catarina | 3 |
Pará | 3 | Maranhão | 2 | Mato Grosso | 2 | São Paulo | 10 | ||
Rondônia | 1 | Paraíba | 3 | ||||||
Roraima | 0 | Pernambuco | 6 | ||||||
Tocantins | 2 | Piauí | 0 | ||||||
Rio Grande do Norte | 3 | ||||||||
Sergipe | 1 |
Essa pesquisa foi realizada em agosto de 2024. O site Aborto no Brasil , informa que o cadastro do serviço é feito pelo próprio gestor e não precisa de habilitação do Ministério da Saúde, por isso o número de serviços pode mudar ao longo do ano. Os serviços cadastrados também podem deixar de ofertar o atendimento, ou locais que realizam o procedimento podem não constar no SCNES.
Criança não é mãe!
Apesar de ser autorizado por lei, o acesso ao aborto legal não está garantido plenamente no país. Segundo o site Aborto no Brasil, apenas 1.900 crianças de até 14 anos acessam o aborto legal anualmente no Brasil. Um índice muito baixo diante dos 19.000 casos de crianças de até 14 anos que dão à luz anualmente no país.
Devido à idade, segundo o Código Penal, todas elas foram vítimas de estupro de vulnerável e deveriam ter acesso ao aborto legal. Muito baixo também diante das 156 denúncias diárias de estupro contra crianças até 14 anos no Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados ajudam a denunciar a naturalização da gravidez infantil e da cultura do estupro por aqui, mas não mostram toda a realidade das infâncias interrompidas.
Recentemente, houve grande mobilização social através da campanha Criança Não É Mãe contra o PL 1904/24, que propõe punir quem abortar acima das 22 semanas de gestação – inclusive crianças violentadas.
Momentos históricos para a descriminalização e legalização
Nem Presa Nem Morta, Criança não é mãe: conheça alguns momentos históricos da luta pela descriminalização e legalização no Brasil.
Nesse contexto, veio à tona o caso de uma menina de 13 anos, do estado de Goiás, cujo genitor, com apoio de uma organização católica e supostamente conivente com o abuso que a filha sofria, contou com uma decisão judicial ilegal para impedir que a filha abortasse, mesmo diante da vontade manifesta da menina de interromper a gestação fruto do que é considerado, pela lei, violência sexual.
Infelizmente, esse caso não é o único a demonstrar como médicos e juristas descumprem a lei, atendem agendas conservadoras e condenam vítimas de violência a um sofrimento ainda maior. Em termos de luta pela garantia de direitos, esses casos geram revolta, são grandes catalisadores de ação e tendem a aumentar o apoio social à pauta ampliando as possibilidades de diálogo sobre o tema.
Qual é a opinião da população brasileira sobre aborto?
- Ampla defesa do aborto legal nos 3 casos
Segundo pesquisa da Ipsos a maior parte da população se diz favorável ao aborto nas causais já previstas em lei: 70% apoiam a legalidade do aborto quando a gravidez é resultado de estupro, 66% quando a gravidez ameaça a vida da pessoa gestante e 50% quando o feto tem sérios problemas de saúde (a pesquisa não fala de anencefalia especificamente).
- O aborto é uma decisão de quem aborta
Em pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, 87% das pessoas entrevistadas acreditam que é direito da vítima de estupro decidir se quer ou não interromper a gravidez; 3 em cada 4 mulheres entrevistadas gostariam de poder contar com essa opção e 52% acreditam que optariam por interromper a gestação nesse caso.
- E deveria poder ser realizado em segurança
A pesquisa Feminismo em Disputa, do Instituto Update em parceria com o Instituto Idea, demonstrou que 42% da população concorda que o aborto deveria ser uma escolha segura para as mulheres.
- Prender quem aborta não é a solução
Um estudo realizado por CFEMEA, SPW e CESOP/Unicamp, que consolidou resultados das últimas pesquisas de opinião pública sobre aborto no país, mostra que 60% das pessoas entrevistadas são contrárias à prisão de pessoas que interrompem voluntariamente a gravidez.
Segundo a pesquisa, o percentual de pessoas brasileiras contra a criminalização em caso de aborto voluntário cresceu de 2018 a 2023 em todas as variáveis sócio demográficas (sexo/gênero, idade, raça/etnia, nível de escolaridade, religião), demonstrando maior aderência da população à desminialização do aborto no país.
Mais recentemente, em 2023, a Quaest divulgou outra pesquisa que mostra o apoio amplo da população à descriminalização: 84% afirmaram que a mulher que fizer um aborto não deve ser presa.
A criminalização não impede que abortos aconteçam!
A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada pela última vez em 2021, indicou que 1 em cada 7 mulheres, aos 40 anos, fez pelo menos um aborto.
Débora Diniz, responsável pela pesquisa, estima que meio milhão de abortos tenham ocorrido no país só em 2021.
O perfil das pessoas que abortam é variado: elas têm diferentes idades, religiões, raças, classes, escolaridades e são de diversas regiões do país. Mas a proporção de abortos é maior entre as mulheres jovens, pretas, pardas e indígenas, com renda até 1 salário mínimo, residentes do Norte e Nordeste.
Em dados comparativos, a pesquisa aponta que o número de internações decorrentes de abortos (espontâneos ou induzidos) diminuiu: cerca de 43% das pessoas em situação de abortamento que procuram atendimento no sistema de saúde foram internadas em 2021 e em 2010 a porcentagem chegava a 55%. O SUS atende 9 em cada 10 internações por abortono Brasil. Apesar da diminuição recente das internações, a médica Helena Paro, do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas), salienta que este número é alto e impacta de forma definitiva o sistema de saúde.
Muitas destas internações poderiam ser evitadas se o aborto não fosse criminalizado e o aborto medicamentoso (indicado pela OMS) fosse orientado por profissionais capacitadas e em contexto de segurança e autonomia.
Diante da desinformação, dos mitos e do estigma sobre aborto, as histórias reais e os dados atualizados, obtidos a partir de pesquisas sérias e confiáveis, são fundamentais para defender o acesso ao procedimento.
O aborto é um evento comum na vida reprodutiva de quem gesta, e a criminalização afeta não apenas quem tem direito de interrupção garantido pela lei atual, mas também quem sofre aborto espontâneo.
Estas, são frequentemente acusadas de tê-lo provocado e enfrentam obstáculos para acessar os cuidados de saúde necessários nessas circunstâncias. Com a ampliação do debate e acesso ao aborto legal, avançamos na compreensão ampla sobre o que significa autonomia sexual e reprodutiva e podemos construir justiça reprodutiva para todas as pessoas.
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Essa guia foi elaborada por Laura Molinari, Coordenadora Executiva, e Bibiana Serpa, Coordenadora Pedagógica e de Imagem da Campanha Nem Presa Nem Morta.
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A Campanha Nem Presa Nem Morta é uma ação coletiva de comunicação e incidência para transformar o debate público e as leis sobre aborto no Brasil. Nosso foco é ampliar a base social de apoio à descriminalização e legalização do aborto no país através de informações e conteúdos qualificados sobre o tema, com base em pesquisas reconhecidas no campo e dentro de um enquadramento antirracista, anticapacitista e de inclusão das identidades de gênero e das diversas orientações sexuais.