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Como dialogar sobre aborto na política?

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Como promover um diálogo saudável e respeitoso sobre direitos coletivos em uma sociedade formada por diferentes crenças e valores? Nos juntamos entre várias organizações para apoiar candidaturas e mandatos com esta trilha de aprendizagem acessível com informações, referências e narrativas sobre aborto e justiça reprodutiva no  Brasil e na América Latina.

Setembro 13, 2024. Por Im.pulsa

Momentos históricos para a descriminalização e legalização

Campanha Nem Presa Nem Morta

Conheça alguns momentos históricos da luta pela descriminalização, legalização e garantia do aborto legal no Brasil.

Implementação do primeiro serviço de aborto legal

Nessas décadas de 70 e 80, o movimento feminista se expandiu no Brasil, tendo como foco principal o enfrentamento à violência contra as mulheres e aspectos da saúde reprodutiva. 

Ainda tímidos, houve esforços para pautar a descriminalização do aborto, sempre destacando a necessidade de um debate público sobre a questão. O tema foi discutido no processo Constituinte de 1988, quando feministas conquistaram a não inclusão do direito à vida desde a concepção na Carta Magna, mas a oposição religiosa enfraqueceu e derrotou a proposta de legalização do aborto. 

Entretanto motivada por esses debates, houve importante conquista no âmbito do executivo com a criação, em 1989, do primeiro serviço de aborto legal no país, por iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde de SP, impulsionada pela Coordenadora do Programa de Saúde da Mulher, Maria José Oliveira, na gestão da Prefeita Luiza Erundina.

Jornadas pelo Aborto Legal e Seguro

As Jornadas foram criadas em 2004 por uma coalizão feminista de redes nacionais, organizações e ativistas comprometidas com o campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Neste mesmo ano, realizou-se em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (1ª CNPM) e o grupo levou a discussão sobre a descriminalização e legalização do aborto às conferências estaduais preparatórias e incidiu nos debates que permitiram aprovar esta reivindicação na conferência nacional.

As Jornadas chegaram a reunir 67 organizações no Brasil (entre integrantes e parceiras), além de manter conexão com as redes latino-americanas feministas que lutam pelo direito ao aborto. 

Junto ao Congresso Nacional e ao STF tiveram uma atuação importante, fazendo lobby e palestrando nas audiências públicas, notadamente nos debates sobre o PL 1135/1991 e sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54/2004, ação ajuizada no Supremo Tribunal Federal para retirar interrupção da gravidez de feto anencéfalo do Código Penal (que foi concluída favoravelmente somente em 2012).

Outra ação de destaque foram os posicionamentos críticos ao Estatuto do Nascituro, que entrou na pauta do Congresso Nacional na contramão da luta pela legalização do aborto e do respeito ao Estado laico e democrático.

As linhas de ação das Jornadas incluíram a realização de pesquisas científicas sobre a realidade do aborto no Brasil, atividades para estender e popularizar o debate sobre o tema e estratégias de comunicação e interlocução com a mídia, inclusive produzindo um kit com informações para jornalistas.

Comissão Tripartite e o projeto de lei que pediu a legalização do aborto no Congresso

A Comissão Tripartite, criada em 2005, reuniu representantes do Executivo, Legislativo e Sociedade Civil para discutir a elaboração de uma propoposta de lei pela liberalização do aborto no Brasil (à luz da demanda resultante da I CNPM e dos compromissos assumidos pelo Brasil no Ciclo de Confrências da ONU, particularmente nas Conferências do Cairo e de Beijing). 

No entanto, os trabalhos, em especial o PL 1135/1991 levado à Câmara (que  propunha alteração do Código Penal para descriminalizar o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento) apresentado por esta Comissão, enfrentou forte oposição de grupos conservadores no Congresso Nacional que, uma vez não permitiram o avanço do debate e derrotaram o PL. Nesse período, destaca-se a atuação das deputadas Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Sandra Starling (PT/MG) e a então Ministra das Mulheres, Nilcéia Freire.

Primavera Feminista

A Primavera Feminista foi uma mobilização social nacional, por parte dos feminismos brasileiros que buscaram chamar atenção para a necessidade de reformas na legislação sobre aborto e garantia de direitos mais amplos para as mulheres, então ameaçados pelo PL 5069/2013, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto. 

A proposta gerou grande oposição, também por parte de defensoras e defensores dos direitos humanos, temendo que as novas regras fossem uma forma de restringir o acesso ao aborto legal e seguro. Após as pressões pelos movimentos, o projeto foi engavetado, e assim se encontra até hoje, na Câmara Federal. 

Criação da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto

Foi criada em 2008 como uma resposta ao estouro da clínica em Mato Grosso do Sul, que expôs cerca de 10 mil prontuários de mulheres atendidas na clínica, sob a alegação de que teriam recorrido a procedimentos de aborto. 

Formada por uma coalizão de organizações feministas, ONGs e defensores dos direitos humanos, a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto  surgiu para unir esforços na defesa dos direitos reprodutivos e na luta pela legalização do aborto. 

Sua criação marcou um passo significativo na articulação de um movimento nacional coeso e visível, para enfrentar as restrições legais e sociais que atingem as mulheres, meninas e pessoas que gestam no Brasil. 

Festival pela Vida das Mulheres no contexto da ADPF 442

Foi um evento realizado por uma coalizão de movimentos feministas brasileiros, em Brasília, no ano de 2018, com o objetivo de promover e celebrar a Justiça Reprodutiva, importante ferramenta criada pelo movimento feminista negro que alia a saúde reprodutiva à justiça social, destacando a importância da decisão pela interrupção da gestação  e da defesa maternidade digna. 

O evento ocorreu  no contexto da Audiência Pública, no STF, sobre a ADPF 442/2017, ação que pede a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação. 

Na ocasião, foi criada a campanha Nem Presa Nem Morta.

Resistência ao Estatuto do Nascituro 

Ao apagar das luzes do ano legislativo de 2022, ameaçou-se ser votado em Plenário da Câmara, o Estatuto do Nascituro, projeto que prevê a criminalização integral do aborto (PL 478/2007)

Deputadas integrantes da recém criada Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular tiveram papel fundamental nesse impedimento, utilizando-se de todas as possibilidades regimentais, assim como de argumentações precisas contra a proposta de lei, e seu relatório. 

Elas atuaram em articulação com as organizações integrantes da própria Frente Parlamentar assim como da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto e das organizações que impulsionam a campanha Nem Presa Nem Morta. 

Alguns nomes em destaque nesse momento foram: Talíria Petrone (PSOL/RJ), Erika Kokay (PT/DF), Sâmia Bomfim (PSOL/SP), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Áurea Carolina (PSOL/MG), Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Luiza Erundina (PSOL/SP), Lídice da Mata (PSB/BA) e Maria do Rosário (PT/RS).

No ano de 2023, a ameaça retornou, após o celebrado voto favorável da ex-Ministra Rosa Weber sobre a ADPF 442. Mas foi abafada sob efeito da campanha Criança Não é Mãe (inicalmente dedicada à combater o Estatuto do Nascituro), acionada nas redes após as tentativas do Congresso Nacional de proibir o  direito ao aborto em qualquer circunstância.

Corrida para garantia ao acesso ao aborto legal de meninas 

Desde 2020, o movimento feminista e organizações por justiça reprodutiva têm atuado pela garantia do aborto legal para meninas menores de 14 anos, vítimas de violência sexual. Tais articulações geraram fortalecimento para o movimento e sensibilização de pessoas que se encontravam mais afastadas do campo.

Em 2020, em plena pandemia de Covid-19, uma menina de 10 anos, no Espírito Santo, teve que viajar a Pernambuco para interromper uma gestação decorrente de estupro, devido à resistência médica e de organizações da assistência social de seu estado. 

Em 2022, uma menina de 11 anos, do Piauí, foi obrigada a manter a gravidez, sendo até mesmo ameaçada de criminalização após nomeação de defensora para representar os interesses do feto. 

Outro caso paradigmático ocorreu em Santa Catarina, também em 2022, quando uma juíza inicialmente sugeriu adiar o aborto para permitir que o feto fosse retirado com vida, mas a pressão pública resultou na autorização do procedimento. 

Em 2024, uma menina de 13 anos, em Goiás, foi inicialmente impedida de abortar, mas o STJ garantiu seu direito após mobilizações feministas, reconhecendo as violências institucionais que enfrentou em primeira instância.

Campanha Criança Não é Mãe contra o PL do Estupro

A campanha contra o Estuto do Nascituro – que teve sua primeira grande movimentação em 2022 – foi resgatada por organizações de mulheres e feministas para tentar barrar a aprovação, na Câmara dos Deputados, do requerimento de urgência para o PL1904/2024, que visa equiparar, no Código Penal brasileiro, o aborto em caso de estupro após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.

No dia 12 de junho o requerimento foi aprovado, mas a retomada da campanha não foi em vão. Milhares de pessoas se manifestaram nas redes sociais, e mais de 300 mil se engajaram na plataforma criancanaoemae.org, que visou pressionar deputadas e deputados contra o projeto. 

No dia seguinte à aprovação do regime de urgência, os movimentos de mulheres e feministas ocuparam as ruas em diversos estados para escancarar o abuso de poder sobre seus corpos e de nossas crianças, o que ficou registrado como as Jornadas de Luta. O projeto continua, como ameaça, na Câmara.

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Esta guia foi desenvolvida por Clara Wardi, assessora técnica, e Verônica Lima, assessora de comunicação do CFEMEA.

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O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) é uma organização da sociedade civil, não governamental, sem fins lucrativos e de caráter público, fundada em 1989, com sede em Brasília-DF. O feminismo, os direitos humanos, a democracia, a igualdade racial, a educação feminista antirracista decolonial, o autocuidado e o cuidado entre ativistas são nossos marcos políticos e teóricos.

Im.pulsa

Plataforma aberta e gratuita para inspirar, treinar e conectar mulheres, auxiliando-as a superar desafios políticos e produzir campanhas vencedoras. Oferece formação política para mulheres por meio de produtos práticos com linguagem acessível e afetiva. A Im.pulsa é feita por e para mulheres.