Im.pulsa

Agosto 19, 2022. Por Im.pulsa

Conhecer para legislar

Por Germana Accioly

A experiência das Casas Sementes

As campanhas municipais são, em geral, as mais competitivas e as mais próximas da população. A missão de eleger uma vereadora é árdua. Em 2020, por exemplo, 901 pessoas oficializaram candidaturas para o legislativo municipal em Recife, sendo 615 homens e apenas 286 mulheres. Os candidatos disputaram 39 vagas para a Câmara Municipal. 

Se o desafio é grande, imagine se juntarmos a ele a descrença das pessoas na política e uma pandemia de Covid-19?

vereadora Dani Portela no centro com o fundo colorido da cidade de Recife

Mesmo diante desse cenário, em 2020, Dani Portela foi eleita vereadora pelo Recife, com 14.114 votos, tendo sido a candidata mais votada na capital pernambucana. Advogada, historiadora, mãe e feminista, Dani Portela é a única mulher negra desta legislatura, atualmente formada por sete mulheres e 32 homens. Em 2018, Dani havia sido candidata ao Governo de Pernambuco pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Na época, ela ficou em terceiro lugar, com mais de 188 mil votos, o que representou 4,97% dos votos válidos. 

Com uma campanha que contava com poucos recursos financeiros, a ideia inicial era investir em voluntariado e nas ações de rua. Mas, com a pandemia, a saída encontrada pela candidata e sua equipe foi fazer pequenas reuniões temáticas, que reunissem pessoas ligadas a movimentos, sindicatos e organizações não-governamentais (ONGs), e que também pudessem acolher a sociedade civil não organizada, interessada em construir um mandato coletivo. 

A iniciativa foi batizada de Casa Semente.

“As Casas Sementes nasceram da ideia de pensar em como fazer a campanha chegar até as pessoas, já que os eventos maiores estavam proibidos, por causa da pandemia. O conceito de Casa, acolhimento, escuta e proximidade juntou-se ao de Semente, porque, além do símbolo da minha campanha ser a flor e eu já ser conhecida pela flor que uso no cabelo, isso dá a ideia de florescer. Toda flor traz uma semente. E a gente queria que a cidade semeasse conosco esta proposta de candidatura. A Casa Semente nasceu da ideia de semear e plantar, junto com essas pessoas, propostas, projetos e ideias para uma cidade melhor, mais justa e igualitária”, lembra Dani Portela.

Normalmente, nas campanhas eleitorais, os candidatos falam de suas propostas e a população apenas escuta. Na Casa Semente, funcionava ao contrário. Nossa ideia era ouvir a população, aprender e construir um programa para guiar o futuro mandato. O objetivo era conhecer a cidade a partir das pessoas, para, então, fazer as leis.
 

Nesta parte, vamos contar como a escuta e o planejamento podem ser importantes para engajar e construir um programa de atuação coerente, sempre dialogando com a população. 

O plantio

Novos mandatos precisam de tempo para conhecer e se adequar à rotina de uma casa legislativa. A ideia da Casa Semente, além de mobilizar, engajar e divulgar a candidatura de Dani Portela, era criar uma espécie de “programa de governo”, construído coletivamente para o futuro mandato. O objetivo dessa estratégia era o seguinte: uma vez eleita, ter propostas e temas prioritários já no primeiro mês de atuação. 

Mas como começar a escutar pessoas? 

A dica é fazer a campanha já estudando sobre a atuação no legislativo. Desde o início, você deve buscar saber quais são as suas competências e o que é possível realizar. “A gente queria discutir a cidade e aprender com organizações e movimentos. Nossa ideia era ampliar o debate para a sociedade em geral. Começamos pelos movimentos que tínhamos mais proximidade, afinal, não adiantava a gente buscar temas sem familiaridade ou sem diálogo”, explica Gabriela Falcão, coordenadora das Casas Sementes. 

Para iniciar, a equipe determinou um eixo central, que trataria do enfrentamento às opressões: mulheres, população negra, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência foram os temas inicialmente listados. Com o tempo, outros temas foram acrescentados, como cultura e educação, por exemplo. Escutamos estudantes universitários, doulas (ajudantes de parteiras), professores, coletivos de moradia, movimentos de mães e muitos outros.

A proposta era sempre ter um movimento ou uma pessoa como anfitriã do encontro. A equipe de comunicação da campanha era quem preparava o card do convite, que era encaminhado via WhatsApp. 

No total, foram 23 reuniões. Todas foram gravadas pelo Zoom e, delas, extraímos as propostas, que, futuramente, resultaram no Caderno de Programas de Dani Portela. 

Depois de cada reunião, o material era organizado e enviado às pessoas que participaram, para aprovação e possíveis alterações. Ao final, foram mais de 25 horas de gravações, onde reunimos propostas para o exercício do futuro mandato. Cada reunião tinha cerca de uma hora de duração.

Além da colheita de dados e propostas, as Casas Sementes formaram uma rede de apoio e fomento à campanha, uma espécie de ciranda que ampliou a voz de segmentos da sociedade. Não havia campanha de rua, em função da pandemia da Covid-19, e, a cada reunião, aumentava a quantidade de pessoas solicitando material de divulgação da candidata. Isso levou a coordenação da campanha a criar um sistema de entrega de kits com panfletos e adesivos em domicílio.

Antes da colheita…

É preciso aprender a legislar. As casas legislativas têm competências limitadas. Uma das principais dificuldades da nossa iniciativa foi adequar as demandas que brotaram nas Casas Sementes à realidade da Câmara de Vereadores. Neste sentido, o aprendizado foi recíproco para a equipe e para os participantes. O Poder Legislativo representa a população. Ele fiscaliza, cobra, indica, cria projetos e faz requerimentos. E muitas das propostas colhidas eram de competência do Estado, e não do município, ou eram de competência do Poder Executivo. 

O grande exercício foi imaginar como um mandato municipal poderia recair em temas que não eram diretamente da sua competência. “Quando, por exemplo, no debate sobre direito à cidade, alguém falou sobre o abastecimento de água precário nas periferias, explicamos que a questão é estadual, mas combinamos que faríamos uma audiência pública sobre o assunto e convocaríamos as autoridades competentes”, explica Gabriela.

Outro exemplo sobre esta adequação trata-se de uma demanda sobre creches. Vereadores não podem construir creches ou autorizar a contratação de profissionais para trabalhar nelas. Mas é papel do vereador fiscalizar a prefeitura e identificar em quais regiões da cidade há mais carência destes equipamentos. 

Outra dificuldade de fazer as reuniões da Casa Semente foi a agenda da candidata. Ela participava de todas as reuniões, garantindo que a escuta fosse direta e não por meio da equipe. Por isso, é fundamental ter planejamento e organização. É muito importante que, em cada reunião, além da candidata, estejam presentes mais pessoas da equipe, organizando e mediando a conversa.

“As sementes se espalharam. Este plantio foi feito por muitas mãos. Nossa candidatura, mesmo sendo individual, foi plantada de uma maneira muito coletiva. As Casas Sementes foram espaços multiplicadores de sonhos. Tanto que chegou em um momento da campanha que, devido às restrições sanitárias, tivemos que fazer o encontro no formato virtual. E, mesmo assim, com a distância de uma tela, várias pessoas se emocionaram e se sentiram pertencentes àquele projeto. Na reta final da campanha, chegamos a realizar até seis reuniões em um único dia. Foi quando a gente sentiu: a semente se espalhou”, comemora Dani Portela.

Os frutos

Dani Portela foi eleita a vereadora mais votada de 2020, no Recife. No primeiro semestre de seu mandato, aprovou a Comissão Permanente de Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, sendo a primeira parlamentar a tratar do assunto em uma capital do Brasil. É a única mulher negra da bancada de vereadores e vereadoras do estado (2020-2024).

Para florescer

Dicas para a realização das reuniões:

  • Garanta a presença da candidata.
  • Estruture a agenda da candidata de forma a reservar uma hora e meia para cada encontro, afinal, é importante prever problemas com internet, atrasos e contratempos.
  • Não estipule um público mínimo. Às vezes, uma reunião com poucas pessoas rende frutos doces.
  • A metodologia da reunião pode ser em forma de bate papo, mas é importante garantir um tempo para expor as ideias da candidatura, logo no início, e falar um pouco de como as propostas serão organizadas.
  • Valide as propostas de cada tema com o grupo que participou da reunião, antes de publicar o documento final.
  • Marque uma data para lançar os resultados das reuniões, na reta final da campanha.

Sobre a autora: Germana Accioly tem 49 anos e é jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com especialização em Política e Representação Parlamentar (CEFOR-BSB). Já atuou nas três esferas do Poder Legislativo como coordenadora de comunicação e chefe de gabinete. Construiu os mandatos do deputado federal Fernando Ferro (2002-2014); do vereador pelo Recife, Ivan Moraes (2016-2018); das Juntas Codeputadas Estaduais (2019-2021) e, atualmente, é chefe de gabinete no mandato da vereadora pelo Recife, Dani Portela
 

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