Como cuidar da saúde das pessoas — e não só da doença.
Uma cidade saudável não é só questão de ter posto de saúde ou hospital. Claro que unidades de saúde são fundamentais na prevenção de doenças, no diagnóstico precoce e na vacinação da população, e o sistema precisa ser ampliado e melhorado. Mas uma cidade verdadeiramente saudável precisa de mais do que bom atendimento médico: é aquela que facilita e incentiva todo mundo, rico e pobre, a viver de maneira saudável.
- Em bairros onde as pessoas andam muito a pé, há menos infartos1. Em lugares onde a comida é boa, os índices de câncer são menores.
- Em lugares onde há paisagens acolhedoras, com água limpa fluindo, os níveis de ansiedade e depressão melhoram2. Em espaços onde há menos motores a combustão, há também menos doenças respiratórias, da asma ao câncer3.
- Em lugares onde as pessoas se encontram, há mais senso de comunidade e ajuda mútua, que alivia o trabalho do Estado. E todo mundo fica mais feliz, porque a vida comunitária aumenta as taxas de felicidade4 mais do que dinheiro.
As cidades brasileiras são muito desiguais nas condições que oferecem para uma vida saudável. Os moradores das periferias respiram mais fumaça porque fazem percursos mais longos — em São Paulo a poluição mata dez pessoas por dia. Além disso, eles comumente convivem com esgoto a céu aberto: 47% da população brasileira não está conectada a rede de esgoto5.
O tratamento dos resíduos sólidos também é insuficiente: metade do Brasil ainda tem lixões6. Para completar, os mais pobres têm menos acesso a espaços públicos bem cuidados e seguros, que estimulem a vida ativa ao ar livre, e previnem contra distúrbios mentais.
Reduzir essas desigualdades é urgente por uma questão de justiça, mas também porque uma cidade saudável precisa ser inteira saudável: afinal, a cidade toda está interligada pelo fluxo de pessoas. Não adianta ter os melhores hospitais do mundo no centro se falta saneamento básico na periferia. Embora os estados tenham grande responsabilidade por obras de saneamento, as cidades precisam assumir um protagonismo muito maior no tema.
Outro item básico de uma cidade saudável são as áreas verdes — para o lazer, para a regulação térmica, para absorver as águas da chuva, atenuar os efeitos das mudanças climáticas e também para produzir alimento saudável e acessível.
Todas as cidades brasileiras, sem nenhuma exceção, têm graves problemas sanitários: prova disso é a dificuldade imensa de encontrar um único rio urbano que seja potável e apropriado para o banho.
Não há solução mágica e rápida para esse problema sistêmico, mas há sim muito trabalho a ser feito por gestores públicos comprometidos com o cuidado das pessoas e dos espaços.
A saúde no espaço público da cidade
- É URGENTE regenerar o espaço público, tornando-o saudável, estimulante e seguro. Calçadas, praças e parques limpos e bem mantidos, em todas as regiões, são caminhos para a saúde física e mental da cidade. É importante pensar em espaços adequados para todas as faixas etárias. A Cidade do Cabo, na África do Sul, é referência em espaços públicos divertidos, para serem curtidos por crianças e adultos juntos, sem frescura.
- É NECESSÁRIO preservar e ampliar as áreas verdes. Uma cidade arborizada é uma cidade com clima ameno, capaz de minimizar secas e enchentes e evitar as doenças respiratórias e cardíacas provocadas pelo ar sujo. Áreas verdes também reequilibram os ecossistemas, ajudando a combater pragas urbanas, como os mosquitos vetores de doenças7, que proliferam em ambientes desmatados. Aumentar as áreas verdes de uma cidade é medida essencial de adaptação às mudanças climáticas, para redução das ilhas de calor e melhora da drenagem em áreas totalmente asfaltadas.
UMA IDEIA: plante uma farmácia. Vale a pena conhecer o programa Farmácia Viva, de criar pequenos jardins para fornecer remédio gratuito para a população pelo SUS, na forma de fitoterápicos.
UM DESAFIO: rios e mares são utilizados como esgoto. No Brasil, 70% das praias são impróprias para banho em áreas urbanas[efn_note]Ver mais em: Folha de S. Paulo, País tem 70% das praias impróprias para banho em áreas urbanas, 21/12/17.[/efn_note]. E uma pesquisa realizada pela ONG SOS Mata Atlântica mostrou que nenhum dos rios das nove bacias hidrográficas da Mata Atlântica, que abrangem 17 estados, têm qualidade de água ótima; apenas 6,5% têm água considerada boa, que só é encontrada em áreas preservadas[efn_note]Fundação SOS Mata Atlântica, 2020. Ver mais em: Legado das Águas, Mata Atlântica concentra nove das 12 bacias hidrográficas brasileiras, 23/03/20.[/efn_note]. O Brasil está assentado sobre água suja.
A saúde na alimentação da cidade
- É URGENTE combater o desperdício de alimentos. Desde a pandemia e o agravamento da crise econômica têm se ampliado a dificuldade de comprar alimentos da cesta básica no Brasil. Ao mesmo tempo, cerca de um terço de toda nossa comida acaba no lixo. Os bancos de alimentos municipais são uma saída para transformar essa realidade, a partir da criação de uma rede de doações de alimentos, em que alimentos que seriam descartados nos mercados municipais e feiras livres são coletados numa ponta e, na outra, são distribuídos para famílias em condição de vulnerabilidade. O Banco de Alimentos da Prefeitura de São Paulo intensificou os pedidos de doação no início da pandemia e, entre março e maio de 2020, arrecadou 550 toneladas de alimentos — mais que as 338 toneladas arrecadadas em todo o ano de 2019.
- É NECESSÁRIO trazer parte da produção de comida para a cidade e seus entornos, para garantir a segurança alimentar. Hortas comunitárias são uma boa ideia, com benefícios comprovados tanto para quem planta quanto para quem consome. Em Havana, as hortas urbanas cobrem 50% do consumo de hortaliças do país8, e o município ajudou os moradores da cidade a tornarem suas hortas rentáveis, criando canais para venda direta dos produtos nos mercados agrícolas. Outra ideia é ceder terra para agricultores orgânicos dispostos a produzir para as necessidades locais — merenda escolar ou comida para os hospitais, por exemplo.
UMA IDEIA: Comida grátis. A flora brasileira está cheia de espécies de plantas comestíveis. Espalhar árvores frutíferas pelo espaço urbano é um ato de gentileza com os habitantes.
UM DESAFIO: O feijão e arroz estão perdendo espaço no prato dos brasileiros para os ultraprocessados[efn_note]Pesquisa de Orçamentos Familiares, IBGE, 2017-2018. Ver mais em: Agora São Paulo, Arroz e feijão estão perdendo espaço na mesa do brasileiro, 30/08/20.[/efn_note] e o cardápio está pior entre os jovens. Se essa tendência não for revertida, ela resultará em gastos públicos com o tratamento de doenças crônicas no futuro – e em muito sofrimento. Gestores das cidades devem se aproximar de produtores rurais dos arredores para estabelecer laços que ajudem a tornar frutas e verduras mais acessíveis.
IMAGINE O DIA em que será possível de novo nadar em todos os corpos de água natural da sua cidade. Parece inacreditável, mas tornar um curso d’água limpo é simplesmente questão de parar de sujá-lo, criando sistemas de tratamento de resíduos adequados. Ao longo das últimas décadas, algumas poucas cidades do mundo conseguiram fazer isso: em Copenhague, que já foi poluída, hoje dá para nadar em todos os rios, canais e até no porto. No calor do Brasil, a meta tinha que ser essa.
NÃO ESQUEÇA!
Cuide da sua saúde também. Claro que não é fácil durante uma campanha eleitoral, mas tente dormir o suficiente, comer comida fresca com predomínio de vegetais e frutas, e beber muita água. Um bom hábito para o político local é caminhar: ajuda a entender os problemas da cidade pela escala humana, enquanto reduz as chances de doença cardíaca e se aproxima dos cidadãos e cidadãs.
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Conteúdo revisado em 14 de maio de 2024.
- Bastam 30 minutos de atividade leve por dia para reduzir os riscos de doenças cardiovasculares. Ver mais em: Correio Braziliense, Meia hora de exercícios por dia é suficiente para evitar infarto e derrame, 22/09/17.
- Essa medida beneficia ainda mais a saúde mental das pessoas de baixa renda, que dependem mais das condições da vizinhança do que as classes mais altas, que tem outras opções de lazer. Ver mais em: Socientifica, Viver perto de áreas verdes reduz chance de transtornos mentais, 21/02/20.
- Saúde Brasil, 2018.
- ELVAS, S.; MONIZ, M. Sentimento de comunidade, qualidade e satisfação de vida. Análise Psicológica, v.28, n.3, Lisboa, set. 2010.
- Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 2018.
- Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU). Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) e PwC Brasil, 2020.
- Ver mais em: O Eco, Redução de áreas verdes em São Paulo favorecemosquitos vetores, 18/01/2018.
- https://www.archdaily.com.br/br/01-78672/agricultura-urbana-o-que-cuba-pode-nos-ensinar