Por Ana Carolina Vaz
Você já deve ter ouvido alguém falar que os partidos políticos estão em crise. Nos últimos anos, o debate público tem estado cada vez mais atento às funções, objetivos e atuações desses grupos. Mas olha que notícia boa: esta guia traz tudo o que você precisa saber sobre os partidos políticos no Brasil. Juntas, vamos aprender sobre o que são, de onde vieram e como se estruturaram no país.
Falarei, também, um pouco sobre os diferentes objetivos que os partidos podem ter e de como se organizam nas várias arenas em que estão presentes. Entendendo que os partidos continuam fortes e ativos, e não há como pensar a democracia representativa sem a existência deles. Ao final, abriremos a reflexão sobre como essas organizações devem ficar atentas, para estarem cada vez mais inclusivas e abertas a mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e diversas outras minorias políticas.
Mas, afinal, o que é um partido político?
Antes de começar, é importante entender o que estamos chamando de partido político. Não há, na literatura acadêmica, nenhum consenso sobre qual seria a definição de um partido político. Dada a forma variada que observamos os diversos partidos existentes ao longo do mundo, essas classificações teóricas entendem essas organizações ora como grupos de representação de interesse, ora como associações para a resolução de interesses coletivos e impacto na vontade política do Estado. Atualmente, entre as funções destinadas unicamente a esses grupos, estão: seleção de candidaturas e participação na competição eleitoral; canalização de interesses coletivos ao debate público; e ocupação de funções eletivas, governando e legislando.
Mas nem sempre foi assim. Os partidos políticos, assim como a definição de quais seriam suas responsabilidades, funções e papel no sistema político, passaram por transformações ao longo do desenvolvimento das sociedades contemporâneas. As primeiras instituições que entendemos como partidos políticos modernos – a origem dos nossos partidos atuais – aparecem com mais força ao longo dos séculos XVIII e XIX, nos países europeus.
É preciso lembrar que, nesse momento histórico, quem possuía acesso à esfera pública era apenas a elite da sociedade. Como reflexo, os partidos eram associações dessas pessoas em torno de seus interesses comuns. Com o desenvolvimento do processo de industrialização, crescimento da população urbana, consolidação do Parlamento como entidade legislativa e fim do voto censitário, ou seja, pela quantidade de renda que o eleitor possui (e o consequente aumento do eleitorado, formado, em parte, pela classe operária, que até então não tinha direito ao voto), novos partidos entraram em cena, como é o caso dos partidos socialistas e comunistas. Assim, o regime partidário nacional nesses países começou a se estruturar.
Dessa forma, os partidos passaram a ser entendidos como organizações responsáveis por ordenar, perante ao Estado, a vontade política da sociedade. Esse processo, entretanto, não aconteceu sem impacto na forma como os partidos se estruturaram. Com legitimidade para sua existência estabelecida, a relação entre os partidos e os Estados-nações se aprofundou no decorrer do tempo. Estes, deixaram de enxergar a mobilização dos membros, filiados e simpatizantes como uma atuação a ser priorizada e se viram para o Estado, que passa a ser o principal responsável pelo financiamento das organizações partidárias.
No Brasil, as primeiras experiências partidárias são vistas desde o Império. De forma semelhante ao cenário internacional, os primeiros partidos eram compostos pela elite da sociedade. Mesmo com o fim do voto censitário, até o fim da Ditadura Militar no Estado Novo, quase nenhum partido tinha um caráter popular e, diferentemente do processo europeu, onde os partidos possuíam uma capacidade nacional de ação, os partidos brasileiros possuíam caráter estadual.
A atual experiência do sistema multipartidário brasileira, embora tenha suas raízes a partir dessa constituição de caráter estadual dos grupos partidários (e que não tinham força em todo o território nacional), só passa a ter a configuração que observamos hoje após o fim da Ditadura Militar. Foi quando o bipartidarismo forçado pelos militares deu lugar ao multipartidarismo, que, embora no começo tenha sido um modelo regulado pelo governo, com apenas cinco partidos autorizados a competir, passou a permitir maior acesso à organização de agremiações políticas e a configuração dos partidos como as que conhecemos na atualidade.
Como os partidos políticos funcionam?
Hoje, os partidos possuem diversas funções e tipos de atuação. Na linguagem da Ciência Política, chamamos de tipologia partidária. Não há somente uma forma de um partido atuar. Essa variação vai depender das organizações da sociedade civil que o integram e da sua burocracia interna.
Os partidos podem se orientar em torno de três grandes objetivos: busca por cargos, busca por políticas públicas e busca pelo maior número de votos possíveis. O objetivo pretendido pelo partido político, portanto, altera sua forma de atuar na sociedade.
Além dos objetivos, os partidos também podem ser caracterizados pelas dimensões em que atuam. A primeira dimensão é o partido no governo, ou seja, por meio da ocupação de cargos nas diversas arenas estatais, seja dos eleitos ou dos comissionados. A segunda é a dimensão onde o partido se relaciona com sua base eleitoral, filiados e simpatizantes. Já a terceira é o partido na sua administração interna, ou seja, a burocracia partidária.
Apesar de todos os partidos atuarem nas três dimensões, cada grupo prioriza sua ação em alguma dessas arenas. Essa priorização gera uma característica definidora de como aquele partido atua e se organiza e, portanto, se torna sua face dominante. É nessa priorização de dimensões que encontramos, em algumas organizações partidárias, hoje, pouca relação ou capilaridade com sua base social ou com a sociedade civil; e muita articulação em torno da ocupação de cargos de governo.
Diante disso tudo, qual é o nosso papel?
Esses são alguns pontos que devemos refletir e atuar, de forma a pressionar as organizações partidárias. Os partidos devem se aproximar de forma cada vez mais constante de sua base eleitoral e do território pelo qual foi eleito. A relação de representação não pode estar somente relacionada ao voto. Os eleitores devem ter um papel ativo, e não somente reativo (com o voto). Além disso, a dimensão interna do partido – seus dirigentes partidários – deve se responsabilizar por flexibilizar as estruturas internas, que dificultam o acesso de mulheres e pessoas negras a esses espaços.
Atualmente, grande parte das diretorias partidárias são ocupadas por homens brancos. Se não há diversidade nos cargos de poder, como podemos pensar em diversidade no processo de seleção de candidatos ou direcionamento de recursos partidários? É possível lutar para que mais mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+ estejam ocupando cargos, também, no interior das agremiações partidárias, impactando diretamente na seleção e no orçamento das candidatas.
Nesta cartilha produzida pela Im.pulsa, onde falamos sobre o orçamento de campanha, você pode encontrar informações que ajudarão a pensar não apenas nas questões da sua campanha ou mandato, mas, também, no impacto que ocupar esses cargos tem para candidatos com poucos recursos. Não deixe de ler: Orçamento de Campanha Eleitoral
Nesta cartilha produzida pela Im.pulsa, onde falamos sobre o orçamento de campanha, você pode encontrar informações que ajudarão a pensar não apenas nas questões da sua campanha ou mandato, mas, também, no impacto que ocupar esses cargos tem para candidatos com poucos recursos. Não deixe de ler: Orçamento de Campanha Eleitoral
O que esperar do futuro?
Podemos ver que, se pensarmos na crise dos partidos políticos, erramos em presumir que estes perderam alguma força ou capacidade de influenciar institucionalmente ao longo dos anos. Essas organizações continuam sendo um elemento importante para a consolidação democrática e representação dos diversos grupos sociais. Mas, socialmente, a crise dos partidos políticos, sentida pela sociedade brasileira, nos leva a questionar de que forma esses grupos vêm exercendo a representação política.
Como candidatas, há uma possibilidade de inserção maior na vida política partidária. É a partir dessa trajetória que conseguiremos abrir novas portas para mais pessoas, que hoje estão excluídas da vida política partidária.
Sobre a autora: Ana Carolina Vaz é doutoranda, mestra e bacharel em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Também é professora substituta na Universidade Federal de Viçosa. Participa do Grupo de Pesquisa Relações entre Sociedade e Estado (Resocie) e do Grupo Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM). Tem agenda voltada para a pesquisa de partidos, movimentos sociais, povos indígenas e eleições.
Conteúdo revisado em 12 de dezembro de 2023.