Im.pulsa

Agosto 31, 2022. Por Im.pulsa

Uma campanha histórica – Linda Brasil (2020)

Por Agatha Cristie

Registro de sua posse, na Câmara Municipal de Aracaju

 

Linda Brasil é uma mulher trans, de 49 anos, eleita como a vereadora mais votada em Aracaju, nas eleições de 2020. Ela foi a primeira mulher trans a ocupar um cargo político em todo o estado de Sergipe, no nordeste brasileiro. 

Com o slogan “Coragem para transformar”, Linda conquistou 5.773 votos em uma cidade marcada pelo dinheiro e conservadorismo político. Ela fez uma campanha alegre, colorida, pautada no diálogo, no voluntariado e no uso das redes sociais. E o mais importante: com um baixo orçamento. Gastou R$ 37.933,36, enquanto a segunda candidata mais votada (5.025 votos) investiu R$ 180.947,77. 

Linda Brasil é a primeira de seu nome para muitas coisas em Aracaju. Começou a sua luta política em 2013, sendo a primeira mulher aprovada para o curso de Letras/Francês na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Depois de ter sido constrangida em sala de aula pelo não reconhecimento de nome social, organizou uma campanha e conquistou uma portaria, que garantiu aquilo que já era seu direito, por lei.

Durante a gradução, organizou-se politicamente na universidade, por meio de vários grupos: o Coletivo Queer Desmontadxs; o Coletivo de Mulheres de Aracaju – foi a primeira trans em um coletivo composto só por mulheres cis; a organização da I Semana da Visibilidade Trans; e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 

A partir daí, Linda percorreu toda a cidade, palestrando para jovens e adolescentes em universidades, escolas públicas e particulares, quase todos os dias. Sempre falava sobre gênero, sexualidade e direitos à cidadania das pessoas LGBTQIA+. Todo esse acúmulo de diálogo, mobilização e contatos foi testado nas eleições de 2016, quando concorreu, pela primeira vez, ao cargo de vereadora. Linda não foi eleita por causa de sua coligação, que não atingiu o coeficiente eleitoral, mas teve mais votos do que os últimos quatro vereadores eleitos. Em 2017, fundou a CasAmor, um espaço de cultura, formação e acolhimento para pessoas LGBTQIA+. Em 2018, concorreu ao cargo de deputada estadual, quando também não foi eleita, porém, conseguiu votos em todos os 75 municípios sergipanos, sem nunca ter ido a muitas dessas cidades. Tudo isso já indicava o fenômeno que ela seria.    

 

Apesar das derrotas, desanimar ou desistir nunca esteve no horizonte de Linda. Afinal, todo resultado mostrava o seu crescimento eleitoral e sua inclusão social. Além disso, Linda Brasil era uma ativista convicta. Disputar um mandato nunca foi um fim em si mesmo, era uma consequência do trabalho que ela fazia no dia a dia. Por isso, a cada nova eleição, o desafio era encarado com ainda mais alegria e otimismo. 

“Muita gente já está cansada dessa velha política. Eu entrei na política para denunciar essa estrutura”, defende.

A continuação das palestras, eventos e participação nos processos de luta política, além do trabalho voluntário, permitiu que a figura de Linda Brasil estivesse sempre presente na mídia e no cotidiano da cidade e das pessoas. Nesse sentido, a campanha de 2020 foi apenas o desenrolar de todo esse processo, iniciado em 2013. 

Quais foram as principais dificuldades e estratégias adotadas?

Nosso principal desafio foi ampliar o alcance de Linda na cidade, considerando a pandemia. Tivemos muitas dúvidas sobre como fazer ações de rua e entrar na casa das pessoas. Importante destacar que seguimos todas as recomendações das organizações de saúde e decretos do Estado. Assim, a campanha se dividiu em pequenos grupos, para diminuir o risco de contágio pela Covid-19.

Outra dificuldade foi o debate para a divisão do Fundo Eleitoral de Campanha. Inicialmente, a campanha de Linda não era identificada como prioritária, mesmo com seu histórico recente. Foi necessária uma importante mobilização e articulação da militância LGBTQIA+ do partido, para que ela fosse reconhecida como tal. 

Primeiro, fizemos uma reunião com a setorial local de LGBTQIA+, para discutir o que fazer. Depois, entramos em contato com algumas lideranças nacionais do partido, redigimos uma nota interna  e explicamos a importância da candidatura de Linda. O conteúdo da nota foi debatido com todos os filiados e filiadas, nos grupos de WhatsApp do partido. Em seguida, conseguimos uma reunião com a direção estadual do partido. No encontro seguinte para debater a divisão do Fundo Eleitoral de Campanha, a candidatura de Linda foi reconhecida como prioritária. 

Com foco na juventude, especialmente os jovens LGBTQIA+, a comunicação foi adequada para uma linguagem simples, acessível e com referências desse público, combinando as ações das redes sociais com a agenda de rua, afinal, nem só de like vive uma candidata. A campanha se faz na rua. O boca a boca nas panfletagens, palestras, rodas de conversa, entrevistas em rádio e comícios domésticos fizeram toda a diferença. 

Aliás, foi por meio desses comícios domésticos que construímos espaços mais intimistas de diálogo com a população. Eles nada mais eram do que pequenas reuniões na casa de algum conhecido. Ali, era possível conversar com parentes, amigos e vizinhos. Isso funcionou muito, pois aproximava Linda das demandas reais das pessoas

Como fazer um comício doméstico? 

* Chame familiares e amigos para conversar sobre a possibilidade da candidatura;

* Convoque uma reunião para agrupar voluntáries, principalmente de comunicação e mobilização. Lembre-se de que o apoio jurídico e contábil também são muito importantes;

* Organize a pré-campanha o quanto antes. Isso é importantíssimo, já que o período de campanha, em si, é muito curto;

* Prepare um evento de lançamento da candidatura e convoque a imprensa;

* Toda segunda-feira, reúna-se com voluntáries e coordenação de campanha, para planejar a agenda e ações de toda a semana;

* Disponibilize sua agenda nas redes sociais. Isso facilita a participação de apoiadores;

* Faça postagens que estimulem o engajamento de seguidores;

* Providencie um financiamento coletivo. O dinheiro do Fundo Eleitoral de Campanha nem sempre é suficiente;

* Tenha um comitê ou um local que seja referência para a campanha. Pode ser a garagem de uma amiga, por exemplo;

* Defina o seu público. Isso ajuda na estratégia de comunicação e na formulação da identidade visual da campanha. Por exemplo: Linda usou e abusou dos emojis, memes e das cores roxo (feminismo) e amarelo (partido), junto com as cores do arco-íris;

* Conte histórias o tempo todo, tanto na pré quanto na própria campanha. Exemplo: quem você é; porque decidiu se candidatar; de onde você vem; o que gosta de fazer e etc.;

* Crie símbolos. A definição do seu número de campanha, por exemplo, pode contar uma história. Linda escolheu o número 50.180 para simbolizar a luta contra a violência de gênero;

* Faça uma campanha diferente, onde as ações reflitam o que você defende. Uma ideia é fazer uma bicicletada no lugar de uma carreata. Isso demonstra o seu compromisso com o meio ambiente;

* Dica: o Twitter é uma ferramenta poderosa para tornar você conhecida;

* Seja autêntica. É fundamental respeitar seus limites e convicções.

Que tal ver alguns exemplos?

Veja aqui como foi a biciletada, durante a campanha de Linda

Orientações para o dia da eleição também geram engajamento. Confira aqui

Aqui, temos um exemplo de como contar a sua história de forma diferente

Compartilhar a agenda é mais simples do que você imagina 

Construir uma identificação com o público é fundamental. Veja esse exemplo

Faça sua campanha com amigues e voluntáries

Dá uma olhada na alegria dessa campanha de rua

“Nas eleições, as pessoas estavam desacreditadas, diziam que político era tudo igual. E eu respondia: você já votou em uma travesti? Então, não é tudo igual. Queria que as pessoas voltassem a acreditar” Linda Brasil

Quer saber como tudo isso terminou?

O resultado foi histórico! 

Com 5.773 votos, Linda Brasil foi eleita, em 2020, como a vereadora mais votada em Aracaju e a primeira mulher trans a ocupar um cargo político em todo o estado de Sergipe. 

A cidade ficou em polvorosa e toda a imprensa correu para seu o comitê, na tentativa de entrevistá-la. Enquanto ela ainda tentava entender o que tinha acontecido, já circulava, em grupos de WhatsApp, o áudio transfóbico de um pastor, que não reconhecia a sua eleição e convocava seus fiéis para reagir ao que ele chamava de “monstro”. Mas, como diz Linda Brasil: “Não há nada que possa parar o amor de quem vive para lutar” 

No dia 15 de agosto de 2022, seu mandato completou 500 dias de muita luta.

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Plataforma aberta e gratuita para inspirar, treinar e conectar mulheres, auxiliando-as a superar desafios políticos e produzir campanhas vencedoras. Oferece formação política para mulheres por meio de produtos práticos com linguagem acessível e afetiva. A Im.pulsa é feita por e para mulheres.