Por Tatiana Amorim
Foi repugnante assistir ao vídeo da importunação sexual sofrida pela deputada estadual Isa Penna, do PSOL, em plena Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Não bastasse o absurdo de ver o deputado Fernando Cury, do Cidadania, apalpando o peito da deputada na frente das câmeras, o cenário pode ficar ainda pior, pois o deputado pode sair impune se o Conselho de Ética da Alesp decidir não levar o caso adiante.
Um dia depois de sofrer o assédio no plenário da Alesp, a deputada disse, em entrevista ao UOL: “Eu não fui nem digna de uma menção, de uma resposta do presidente da Alesp até agora. De uma resposta do governador. Eu sou uma autoridade, eles não me vêem como autoridade. Eles não conseguem ver mulher em lugar de autoridade”.
Em meio a essa situação trágica, a deputada pôde contar com dois apoios fundamentais, além do prestado pelas colegas de assembleia: primeiro, o apoio popular ao abaixo assinado que ela lançou nas redes, pedindo a cassação do mandato do deputado assediador; segundo, o apoio do deputado Carlos Giannazi, que cedeu seu lugar no conselho de ética à deputada Erica Malunguinho, reconhecendo que o conselho, que só contava com uma mulher, precisava de mais alguém que pudesse representar as mulheres nesse caso. Apenas para informação, Giannazi e Erica também são do PSOL.
Infelizmente, a violência política é natural no contexto de violência geral contra a mulher em que vivemos, fruto do machismo, como mostram tantos casos de violências e abusos e feminicídios de que tivemos notícia neste fim de ano. Foi tanta coisa ruim acontecendo, que pode nos anestesiar, desanimar… Mas sejamos atentas! As adversidades do caminho servem para nos alertar – e o alerta é “não deixem a peteca cair!”. Mais do que nunca, somos necessárias nessa luta.
Em 2020, vimos o surgimento de várias entidades de apoio às mulheres na política, muitas nascidas de uma necessidade de combater a violência política que as mulheres sofrem – e não é pouca: mais de 70% das candidatas sofreram algum tipo de violência política ainda durante as campanhas.
Sem dúvida, o trabalho dessas redes foi fundamental. Primeiro, para incentivar as mulheres a se candidatarem e, segundo, para propiciar a elas os instrumentos necessários à realização das campanhas.
Agora, esse trabalho de apoio precisa continuar, para que as eleitas possam exercer seus mandatos com plenitude, para que consigam se fazer ouvir e participem efetivamente das dinâmicas de suas casas legislativas, com possibilidades reais de êxito e, principalmente, com segurança.
Nesse contexto, vejo várias formas possíveis de atuação das entidades de apoio:
- levar educação feminista e informação para as câmaras, a fim de garantir a conscientização de todos sobre a importância da representatividade da mulher, para que sejam eliminadas as barreiras impostas às mulheres para a participação nas comissões e debates em curso;
- promover o engajamento da população com as pautas defendidas pelas vereadoras, convocando a pressão sobre os temas que sejam caros à nossa luta;
- estimular programas de voluntariado para os mandatos, para que as mulheres possam contar com equipes robustas e diversas, mesmo com poucos recursos;
- proporcionar possibilidade de formação continuada para essas vereadoras, para que se sintam cada vez mais seguras de sua atuação.
O que aconteceu com a deputada Isa Penna nos mostra o quanto esse trabalho de apoio continuado é cada vez mais importante!
O resultado das eleições municipais apresentou um crescimento modesto da participação de mulheres na política com relação a 2016, mas eu vejo isso com otimismo. Otimismo não é se conformar com o status quo, pelo contrário, é acreditar que é possível chegar no objetivo. Afinal de contas, apesar de pouco, houve avanço, então, devemos, sim, celebrar.
Há certo sentimento de frustração por termos conseguido eleger mais mulheres para o legislativo do que para cargos executivos. Mas, pensem comigo: não é no legislativo que temos a possibilidade de implementar as leis de que precisamos? Essas mulheres que ocuparão as câmaras municipais a partir de agora é que poderão nos dar as bases e construir um cenário mais propício para que mais mulheres possam chegar, não só, ao executivo, mas também aos cargos de alta gestão de empresas públicas e privadas. É o legislativo que tem o papel de estabelecer mais políticas públicas que protejam os direitos das mulheres e que mitiguem as barreiras que o machismo nos impõe, na política e no mercado de trabalho.
O momento agora é de parar e pensar que falta menos do que faltava, é reconhecer e valorizar o que fizemos até aqui – cada vitória conta. Esse é o justo reconhecimento para quem se esforçou para contribuir com esse resultado e, além disso, é motivador para quem esteja pensando em se engajar. E quanto mais gente lutando ao nosso lado, melhor, até porque as eleições foram apenas uma etapa de um processo que ainda está sendo construído.
Nosso movimento faz a sociedade se movimentar. A humanidade só anda para frente, não dá pra retroceder. O que foi conquistado será mantido – porque nós acreditamos!
Tatiana Amorim, jornalista, feminista, mãe da Maria e do João, é entusiasta da equidade de gênero, diversidade e inclusão e educação política.
*Os textos e artigos publicados com assinatura no nosso blog não traduzem, necessariamente, a opinião de Im.pulsa. São redigidos por parceiras ou pessoas interessadas que encaminham tais conteúdos para avaliação e a publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre a representatividade e participação de mais mulheres na política.